sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Relato de Parto (9/9) - VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 9


Hora de Ouro!

"Olhe bem no fundo dos meus olhos
E sinta a emoção que nascerá quando você me olhar
O universo conspira a nosso favor
A consequência do destino é o amor, pra sempre vou te amar
Mas talvez, você não entenda
Essa coisa de fazer o mundo acreditar
Que meu amor, não será passageiro
Te amarei de Janeiro a Janeiro
Até o mundo acabar." 
(De Janeiro a Janeiro. Roberta Campos)


No balanço desses 5 meses só tenho a acrescentar que tive um puerpério feliz, leve. Sem choros (só de emoção), sem blues puerperal, sem inseguranças. Sem saudade da barriga, sem querer voltar no tempo para corrigir o incorrigível. Sem sentir que o ciclo não havia fechado. Sem ouvir que eu não estava pronta para o parto (querido GO fofo, nasci pronta, só não estava preparada para enfrentar o sistema). Ocitocinada. Realizada. Totalmente entregue às minhas crias. Fiz a passagem, sinto os efeitos de uma transformação inexplicável.

Algumas pessoas ao lerem esse relato se atentarão apena a questão da dor. Outros com seus olhares mais lapidados entenderão que se trata de um relato de amor, de cuidado, de proteção, de transformação. Na minha história de vida, a dor do não-parto é infinitamente maior. A dor física é secundária, foi o meio para um fim grandioso. Já foi esquecida e sobrou apenas a deliciosa satisfação por trazer minha filha ao mundo da forma como sonhava. Com tranquilidade, amor, em seu tempo, sem intervenções desnecessárias ou qualquer sombra de medo. 


***


Dedico esse relato a todas as mulheres da minha Tenda Vermelha, que compartilharam suas histórias comigo e ajudaram a construir o meu caminho:

Minha filha Maria Julia: também foi por e para você, meu primeiro amor.  




Minha mãe Izabel e minha irmã Carol, parceiras e exemplos da minha vida. Juntas acreditamos e fazemos acontecer. Sempre!

Minhas companheiras de “mulheragem” e maternagem: Juliana, Pata, Francy, Teka,Talita, Bruna, Anamaria e Melina. Gratidão por dividirem e somarem todos os dias.

Também a querida Dra. Carol Ferrari – GO (Campo Mourão), que um dia me disse que eu merecia um PD, ajudando a fortalecer minha escolha.

E, especialmente a equipe que foi ponte para a realização do meu grande sonho:

Lia (EO/parteira Semilla): eu sonhei você e seu olhar todos esses anos, tinha que ser você, minha eterna parteira. Amor e gratidão, desde sempre e para sempre.

Cris (ENeo Semilla): doce, atenciosa, carinhosa, a melhor recepcionista dessa vida que minha bebê poderia ter. Amor e gratidão.

Renata (Doula): Rêeeeee, linda! Seu carinho, sua calma. Obrigada por ser a doula que eu idealizava. Obrigada pelo registro fotográfico, um presente inestimável (as fotos desse relato são reflexo dos olhos da Renata Frossard). Amor e gratidão.

Evidente que não poderia deixar de mencionar e agradecer ao meu querido GO Edson Rudey, que me propiciou um pré-natal respeitoso, acolhendo minhas demandas, aceitando minhas escolhas e me conduzindo com carinho ao desfecho que eu sonhava. Você estava na portinha da tenda (rs). Saber que estaria ali se eu precisasse fez toda a diferença. Eterna gratidão.

Por fim, ao Douglas, meu amado esposo e pai das minhas filhas. Faltam-me palavras para agradecer pela parceria, carinho, respeito. Você foi sensacional, só fez crescer minha admiração pelo homem e pai que se tornou. Sua sintonia com o momento, sua calma, tranquilidade e apoio foram cruciais. Gratidão amor, para sempre.

Dedico ainda, às demais mulheres cujos relatos e histórias de parto e nascimento cruzaram meu caminho. Cada uma ajudou a edificar esse sonho. Pesquisar, conhecer, estudar é o caminho. Que minha vivência possa ser um tijolo na construção da história de outras mulheres.

Com amor, muito amor,

Marcela


Recomeço!
***



Relato de Parto (8/9) - VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 8


Voltei a atenção para a próxima contração. Mais força. Ardia.

“Já conseguem ver a cabeça?”, eu questionava.

“Não”. 

“Como assim?”, pensava, sentia ela tão baixa!

Mais uma contração e mais força. Escorregou mais.

E no misto da dor e ardência, um prazer imenso em percebê-la descendo pouco a pouco.

“Está chegando!”. Lia posicionou o espelho e a avistou, entusiasmada. 

Douglas rapidamente se levantou para vê-la (detalhe que ele havia dito que não queria ver durante TODA gestação). Eu não pedi para ver.

“Quer toca o cabelo dela?”

“Não”. Sentindo quase uma irritabilidade por ela não nascer logo. “Quero que nasça", emendei mentalmente.

Mais um puxo e a cabeça saiu até a metade. 

"Ela tem que nascer agora!" (Lia desfez a circular que passava pela testa)

"Não tem contração". 

"Má, vou te passar ela por baixo na próxima contração" 


Lia (EO) e Cris (ENeo)

Veio a contração.

10h10. Nasceu.

Lia imediatamente passou ela por debaixo do meu corpo. Agarrei. Lisa, escorregadia, molinha, fofa.

Num giro sentei. Abracei. Olhei meio que embasbacada.

"Que bracinho gordo!" (primeiro pensamento nada romântico rs)

Tempo parou. 

Valentina não respondeu de imediato. Cris e eu estimulamos peitinho e costinhas simultaneamente por um breve tempo que não sei precisar. Eu puxava o ar com vigor. Cordão pulsava. 

“Pode acordar tranquila meu amor” repetia em pensamento enquanto rememorava a recepção de outros bebês 'preguiçosos' de amigas.

Voltei de meus pensamentos e ouvi Lia numa sincronia perfeita: “isso, calma, respira, o cordão ainda está pulsando”.

Valentina abriu os olhos repentinamente, como num sopro Divino: viva! 

E no próximo segundo escutei seu primeiro choro. Ali, no meu colo, no meu aconchego. Bem-vinda, minha valente, minha Valentina!

Chorou alto. Maior bocão. Estaria brava? 

Seu primeiro olhar foi meu. Imprinting.

Meu coração parou tamanha a explosão de A-M-O-R! Gorda (4.040g), grande (54cm), bochechuda, linda, minha! Um sentimento de gratidão me inundou. Um desejo de chorar lágrimas que não caíam. Um choro de alma. 




Ganhei um beijo da parteira, outro do marido. Um carinho da doula. Todos felizes e sorridentes. Um parto é sempre uma onda de ocitocina para todos. Talvez um VBAC seja um tsunami. Dentro de mim uma descarga avassaladora. Talvez parir seja como usar a mais potente droga, te leva a um pico de prazer indescritível. Vicia. Basta uma única dose.

Ah, esse sorriso! Valentina ganhando dose extra de "arzinho" da tia Cris.




Contemplei minha bebê enamorada. 

Acabou. 

Alívio. 

A linguinha começou o movimento de pré sucção. Ergui o top e coloquei ela junto ao peito.

“Cheira a mamãe, meu amor!”



Cordão parou de pulsar. Papai Douglas cortou. Estávamos oficialmente separadas fisicamente, mas ligadas eternamente. Pedi ao marido que tirasse uma foto e enviasse aos grupos de Whatsapp de nossas famílias, afinal ninguém sabia que Valentina estava chegando, especialmente que seria em casa. 




Após alguns minutos, na primeira e única contração, nasceu a placenta e encerramos o ciclo. Sim, agora fechamos o ciclo.

Relato de Parto (7/9) - VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 7


Passado cerca de 40 minutos começam os primeiros puxos. Senti mais uma vez a intensidade da força da natureza. Puxos são algo surreal, e eu entendi na prática porque bebês nascem no carro, na rua, onde for. Não há como impedir o desejo de expulsão do corpo. “Deixei” os puxos seguirem, mas não ajudava com mais força. Em uma nova ausculta, Lia comentou que ela deveria ser realmente muito comprida, visto que já percebia os batimentos muito baixos e o bumbum ainda estava empinado no alto da minha barriga. Emendou que ela já havia passado do marco zero o que me deu novo ânimo. Sim, minha menininha, ops, meninona nasceria naturalmente! Aqui iniciamos o a terceira e última fase do meu TP: o despertar.


Lia (EO) e Renata (doula) : um círculo de amor e amparo.


Eu não me recordo de perceber a chegada da Cris, enfermeira neo, mas já tinha perguntado por ela há algum tempo, pois sabia que sua chegada implicava na proximidade do nascimento. E eu desejava o fim. Estava exausta.

“Nasce logo” era hit em minha mente.

Tentei trocar de posição na água, mas a borda um pouco murcha não me dava a sustentação adequada. Queria pedir para encherem, mas não verbalizava. Mais uma vez as tais coisas que pensamos e não conseguimos dizer. Colocamos a banqueta de parto na piscina, mas não me posicionava direito. Optamos por tentar a banqueta fora d’água. Levantei apoiada pelo Douglas e senti uma laranja, melhor, abacate, entre as pernas. Ela havia descido. Nesse ponto eu já ajudava fazendo toda a força possível durante o puxo.







Renata limpava suor da minha testa. A dor no baixo ventre era realmente incômoda, não cessava entre as contrações. Pedi uma compressa quente nessa região. Interessante como no período expulsivo algo se renova e ficamos mais alertas. “Lia, reza pela minha bebê”. Uma imagem de Nossa Senhora Aparecida me lembrava de pedir por conforto e proteção. Lia sugeriu troçarmos a posição, pois já estava a um tempo na banqueta, o que poderia edemaciar o colo. Cris sugeriu então 4 apoios no sofá (a mesma posição onde tudo começou, talvez meu corpo já dizia o que eu ainda não sabia ouvir) tendo em vista a possibilidade de ampliarmos a área de passagem.

Marido sentou na chaise e me apoiei sobre ele. Então a cada contração, acocorava e fazia mais força. Sentia minha menina descendo! Eu a queria imensamente e pedia que viesse com toda vontade do meu coração. 

"Deus, me ajuda" sussurrei. Risos ecoaram, já que esse costuma ser o indicativo de que o nascimento está próximo. Lembrei-me da minha mãe, que sempre contava que quando a gente acha que não vai aguentar mais o bebê nasce. Opa, então eu estava quase lá! (há pelo menos umas 4 horas rs).




E na sequência natural de minha playlist, os primeiros acordes de “Sabemos Parir” de Rosa Zaragoza preencheram a sala.

 “Que providencial essa música agora!”, exclamou Renata.

Os versos tomaram minha mente como uma oração. (Pensei em minha amiga Talita, compartilhamos nossa primeira gestação e choramos juntas nossas cesáreas desnecessárias por longo tempo. Meses atrás ela pariu seu segundo filho. Em meu chá de bênçãos me presenteou em primeira mão com seu lindo relato de parto e com a letra dessa música. Era um papel marcado por fita adesiva, que ela mantinha colado em algum lugar e usou para se fortalecer em seu momento. Senti sua força foi transmitida a mim nesse gesto).





Relato de Parto (6/9) - VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 6 

Sentido a dor intensa de cada contração eu lembrei da minha amiga-comadre Juliana, cujo primeiro parto acompanhei. Foi um parto poderoso, muito intenso e que exigiu muito dela. O desfecho favorável certamente me trazia força. É incrível pensar como todas essas histórias de parto de amigas, conhecidas, e também da minha amada irmã, cujo parto também presenciei, me vinham a minha mente em vários momentos, do início ao fim, e como isso renovava e ajudava a manter a tranquilidade dentro de mim. 

Contudo a dor e o cansaço me fizeram pedir por transferência, analgesia para aplacar a dor, cirurgia para findar a espera. Por algum tempo eu clamava em pensamento ”analagesiaaaaaaa”, “cesáreaaaaa” a cada vocalização (rs). Soltei o clássico “ai, gente, agora é sério!” E numa dessas Douglas olhou para Lia como quem diz: “e agora?” e ela respondeu em gestos: “está tuuudo bem, é assim mesmo”. A transição inesperada para o momento já dava seus sinais...


Por volta das 7h, talvez no auge da exaustão Lia me propôs um combinado (o famoso combinado das parteiras rs). Aguardaríamos mais uma hora de evolução para então realizarmos mais uma avaliação e definirmos os rumos. Eu pensava em minhas amigas. Desejei tê-las ali comigo com sua poderosa energia vinda da Mãe Terra. Queria minha amiga-doula Pata.



“Pede para as meninas rezarem por mim” choraminguei.
No grupo de whats “Bênçãos para Valentina” (criado para as articulações do meu chá de bênçãos surpresa) ficou o registro do pedido: “orem por ela, cansada, sem dormir, contrações Power”. E na sequência uma deliciosa chuva de vibrações positivas. O parto é mesmo uma força poderosa que une mulheres. E naquele momento se consolidava minha Tenda Vermelha, minha moderna tenda virtual, materializada pela presença e amparo da Lia e da Renata, que juntas sustentaram e trabalharam para a realização do meu sonho de parir naturalmente.    
Estava imersa em meus pensamentos, concentrada em superar minhas contrações, quando Maju resolveu iniciar um longo diálogo. Nesse momento eu já não me sentia receptiva para conversar, mas também não queria que se afastasse. Ela mostrava sinais de cansaço, uma vez que já era dia e passara a maior parte da madrugada em claro. Logo eu precisaria decidir os rumos da participação dela no processo.

Às 8h, Lia sugeriu avaliarmos, conforme combinado. Nada poderia ser mais desconfortável naquele momento, mas eu queria saber. As contrações vinham a cada dois minutos quase não deixavam espaço para o toque. Tensão, expectativa. Lia levantou a mão com dedos sujos de sangue. Lembro-me de ver muitos dedos (rs). Uma expressão de surpresa em seu rosto.

“Má, você não vai acreditar, 8cm!”.

“Jura? Você não está mentindo para mim?”

Só então me contou minha condição na primeira avaliação. Havia evoluído rapidamente e praticamente todo o tempo na piscina.



Tão logo Maju e papai começaram a se desentender, eu soube que ela teria que ir. Precisava me concentrar. Tempos depois, já de volta na piscina escutei minha amiga que a levaria chegar. Abri os olhos e a vi a Francy entrando.

“A amiga parideira veio dar força para a outra”, recepcionou-a a parteira.

Recebi um abraço por trás e um beijo, junto a palavras de incentivo quando me queixei: “Você está ótima, tranquila, está indo muito bem”. Comentaram algo sobre o tamanho (grande) da bebê e ela partiu levando minha lindinha junto.








Relato de Parto (5/9) - VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 5


Imersa em água quentinha, de olhos fechados e boca semiaberta percebi Renata apoiar minha cabeça em um travesseiro. Senti frio e ela depositou uma toalha sobre meus ombros. Apagou as luzes e pediu pela minha playlist de parto. Colocou as músicas que eu havia escolhido para aquele momento. Lembrei que tinha separado velas nos materiais do parto, mas não tive ímpeto de pedir. A gente realmente pensa coisas que deseja, mas não tem forças ou coragem para falar, como se cada gota de energia estivesse sendo armazenada para o final.

Ainda que as contrações fossem bastante doloridas, pareciam ter espaçado. No intervalo entre elas eu apagava ou me mantinha inerte. Não sei se dormimos, desmaiamos, entramos em coma ou morremos (rs), mas o corpo sábio nos dá uma trégua. Eu conseguia ouvir alguma conversa e por vezes respondia perguntas que faziam uns aos outros, num misto de consciência e inconsciência. “Ela não desliga”. Alguém na sala chegou a comentar algo sobre esse meu estado alerta de forma cômica.




Dentro da banheira tive meus momentos de maior introspecção. Perguntava-me porque tudo era tão avassalador. Realmente eu não teria fotos sorrindo. Por mais de uma vez senti e verbalizei que não conseguiria e queria realmente desistir. Ao mesmo tempo cobrava-me por pensar friamente em parar tudo, eu desejei tanto esse momento! Não conseguia me conectar com a Valentina e questionava: “qual o meu bloqueio?” Eu não tinha respostas. Eu nem mesmo sei se havia um bloqueio.

E na penumbra da sala, no aconchego do meu lar, eu tinha todos ao meu entorno. Doula à esquerda, na borda da piscina. EO à frente e marido à direita, sentando na poltrona ou na beira do sofá. Uma piscadela e as posições já tinham se invertido. De empós em tempos eles se revezavam como numa dança silenciosa, e frequentemente alguém me acariciava e segurava minha mão, que eu apertava com vontade a cada contração. Jogavam água sobre minha barriga em meio a palavras de incentivo: “pensa que é menos uma”, “ela está chegando”. Mas de tudo e todos, a maior surpresa foi, sem dúvidas, a sensibilidade do Douglas em repetir por diversas vezes: “Você está ótima, está indo muito bem”. Me sentia segura, protegida e acolhida. Não havia espaço e tempo para o medo.



Maju oscilava entre o colo do pai, sua mesinha de atividades ou a borda da piscina. Pedia para jogar água na minha barriga como os demais. Conversava comigo, perguntava sobre o tampão que saía aos poucos. Estava curiosa, mas também preparada. Assistimos a vídeos de parto, expliquei o que poderia acontecer nesse dia. Queria partilhar com ela esse momento, seria parte do meu legado, algo para compartilharmos enquanto mulheres, sobre o sagrado feminino, sobre a origem da vida.




Minha playlist rodava, mas eu só me fixava em algumas passagens eventualmente. Saí algumas vezes da água para tentar outras posições, à medida que a água esfriava e as contrações intensificam. Sem contar que fui para a piscina cedo demais em termos de dilatação, o que poderia “parar” o processo. Voltava para o chuveiro, sentava no vaso sanitário, ficava em pé apoiada no Douglas, mas acabava voltando para a piscina. Douglas trazia baldes de água quente. Não queria massagem, o toque na lombar me incomodava, mas solicitava que Lia e Renata apertassem meu quadril durante algumas contrações, o que era muito bom.

Eu não conseguia comer, embora a equipe sugerisse eu tentar algo. “Come um chocolate”. A náusea não permitia. Sentia sede e apenas molhava a boca. Deram-me uma bala que sambou na boca e logo repeli, frustrando a tentativa da equipe em me garantir uma dose de energia extra. Embora não conseguisse ingerir nada, era reconfortante saber que poderia se o quisesse. 


Relato de Parto (4/9)- VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 4


As 3h15, ainda no chuveiro e apoiada na bola, senti o “ploc”.

“Rê, rompeu a bolsa”. Curiosa e controladora imediatamente ergui o corpo para verificar a cor do líquido: gruminhos, sanguinho, tudo limpinho.

Lia vem avaliar.

“Me ferrei, agora a dor vai piorar!”

“Fica tranquila que não tem como doer mais do que já está”, a parteira pontuou divertida. (uma vez que as contrações já estavam muito próximas e intensas).

Então eu fiquei ali quietinha, e quando o olho se permitia abrir eu espiava Lia e Douglas formando uma dupla na montagem da piscina. Ela cortando a lona, preparando seus materiais sobre minha mesa de jantar. Ele trafegando baldes e mais baldes de água quente. Caramba, que emoção! Eu esperei tanto por esse dia, chegara a minha vez.




A madrugada avançava e eu não encontrava posição confortável. Vontade de experimentar outras posições, de deitar, mas sempre vinha o medinho de doer mais. A verdade é que a gente tenta a todo custo minimizar a dor. 

Sede. Muita sede, mas não conseguia beber água. Náuseas. Renata trazia gelo picado, eu molhava a boca e cuspia. Nada entrava, a ordem do dia era sair!

EO verificava os batimentos de tempos em tempos. Eu referia muita dor durante as contrações, sentia que eram muito próximas. Por vezes, mal terminava uma e a próxima onda começava. Então, às 4h Lia sugeriu uma primeira avaliação. Interessante como nem sempre a gente segue o roteiro que estabelece previamente. Minha cama estava repleta de lona e lençóis mais velhos, mas seguimos para o quarto da Maju, pois ela dormia no meu quarto.

Deitei sobre a cama e o mal estar pela posição em decúbito dorsal foi imediato. Entre as contrações Lia conseguiu realizar o toque e tão logo e iniciou o exame percebi a frustração em seu olhar (aqui convém mencionar que Lia é a pessoa de olhar mais transparente que eu conheço). Com aquela expressão, já sabia que não teria nem os tais 5cm de dilatação (Linha Púrpura Paraguaia de certo). Eu não queria saber quanto tinha, e ela não fez menção de me contar.

“Falta muito?”, soltei.

“Sim, ainda falta. Colo está médio para fino”, respondeu do alto de sua frustrada sinceridade.

E omitiu, com a devida conduta, que eu tinha, pasmem, apenas 1 para 2cm de dilatação. (Certamente se estivesse no hospital, sem a companhia de uma equipe humanizada, seria conduzida nesse exato momento, a uma cesárea por “não ter dilatação”)

Na hora pensei algo como: “foooodeu!” Sim, porque eu sabia que provavelmente teríamos muitas horas de dor ainda pela frente. E eu já não aguentava mais tanta dor. Eu não queria mais dor. Eu precisava conter a avalanche porque não chegaria ao cume daquele jeito.

“Lia, eu preciso entrar na banheira, preciso frear um pouco, senão não vou aguentar”.

Ela concordou de imediato, como sempre sensível ao desejo do nosso corpo e confiante no poder da natureza. “Acho que a água está muito quent...” Lia nem terminou a frase e eu já estava sob a água da piscina (rs).

Senti uma corrente de relaxamento regozijante. Deste ponto em diante as ideias se confundem ainda mais. Maju acordou em algum momento que não percebi. Mas me recordo de vê-la se aproximar curiosa. Bem vindos ao segundo estágio do meu TP: contemplação. Talvez o início de uma partolândia meio bêbada (rs), meio descompassada com o caminhar da dilatação.




                                                                                                                       


Relato de Parto (3/9) - VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 3


O DIA P

21 de abril de 2016. 1h36. Acordei para o habitual xixi. Sentada no vaso sanitário senti a primeira contração. Era forte, doía o baixo ventre e irradiava para a região lombar. Passados 5 minutos outra, mais 5 minutos outra. Eram fortes. Saí do quarto e posicionei em quatro apoios na chaise do sofá, onde troquei as primeiras mensagens com a parteira. Ela viria me avaliar. Tinha medo de acionar a equipe com alarme falso, mas eram tão doloridas e próximas que não seria possível. Douglas dormia no quarto da Maju e curiosamente acordou ao mesmo tempo. Depois de um carinho, foi em silêncio organizar a louça da pia (rs). Mandei mensagem para a Renata, minha doula, com intenção de alertá-la para a possibilidade de um TP, que poderia precisar dela mais tarde, e fui para o chuveiro tentar acalmar as coisas, quem sabe desacelerar a intensidade, pois estávamos apenas começando e eu sentia que entrava em uma avalanche. Após 15 minutos da primeira contração já sentia uma a cada 3 minutos. Fortes, muito fortes. Fiz um áudio para a Lia com intuito de que reconhecesse o TP na minha voz (voz de TP é infalível rs). Já não conseguia contá-las.

No chuveiro apoiei na bola e deixei a água cair sobre a lombar. Mas também sentia dores no baixo ventre, e a água que caía não dava conta de acalmar os dois lados. Então, fiz um áudio para a doula: “Renata, vem pelo amor de Deus!” Saí do chuveiro e voltei para a sala. Pedi ao Douglas uma massagem. Sentei apoiando os braços nas costas da cadeira e não consigo lembrar-me se gostei. Ele conta que não (rs). Na verdade eu já nem me recordava dessa massagem até ele me contar recentemente.

Passado cerca de meia hora Lia chegou em casa. Nesse ponto já preciso admitir que as lembranças são, em parte, confusas, não sei se conseguirei reproduzir a ordem cronológica dos fatos de forma fidedigna. Eu já havia voltado a me apoiar no sofá. Ela pediu para ver minha linha púrpura e estimou que já deveríamos estar entre 5/6 cm. “Uau, TP ativo!”, pensei. Voltei ao chuveiro e num tempo que não sei estimar, minha doula surgiu na porta.

“Rê, dói muito, faz a sua mágica”

“Quem dera eu pudesse” respondeu com seu melhor sorriso acolhedor. 

Tão logo me auxiliou a encontrar uma posição no chuveiro, senti frio e ela cobriu meus ombros com uma toalha.




Gosto de caracterizar meu TP em 3 "fases" ou "períodos". A primeira eu chamo de Avalanche, fui arrebatada e arrastada por algo maior, cujo controle não me pertencia. 

As contrações vinham rápido demais, o chuveiro não dava conta de relaxar. Não sei quanto tempo fiquei ali. Na cabeça um turbilhão: expectativas dor. Mal havia passado uma hora de trabalho de parto e já sabia que não teria nenhuma foto sorrindo ou mesmo a clássica foto registrando a dilatação com os dedos. Eu estava pronta, confiava no meu corpo e sabia que poderia doer muito, mas não esperava iniciar com tamanha intensidade de contração. Aquela altura já vocalizava com vontade. 




Eu só pensava em desacelerar a coisa, “tá muito rápido, tá muito rápido!”, não estava no script! (Rs)



Relato de Parto (2/9) - VBAC Domiciliar – Valentina – 21.04.2016

Parte 2



A chegada de Valentina


Agosto 2015. Fomos surpreendidos por uma nova gestação. Era esperado, desejado, mas não planejado para o momento. Eu estava no auge da produtividade. Foram nove meses muito ativos, liderei uma equipe e conclui um segundo curso superior nesse período. Sentia-me cansada, pesada e temia uma gestação de alto risco que comprometeria meus planos de parto domiciliar. 


O anúncio da boa nova... :)


A escolha por um parto em casa envolve uma série de variáveis. Demanda estudo e empoderamento. Nem sempre eu estive segura de que esse seria nosso caminho, até que batemos o martelo com 24 semanas de gestação. Esse seria nosso plano A. Seguimos o pré-natal com GO e enfermeira, e conforme a gestação avançava fomos consolidando nossa história. 

De posse de todo conhecimento que busquei nesse intervalo entre as gestações, me senti verdadeiramente protagonista do meu processo, tanto que nas semanas finais, com a possibilidade de um bebê macro e uma cesárea anterior, me senti confortável para recusar a sugestão de descolamento de membranas como um auxiliar indutor do parto. Ela viria naturalmente, eu sabia.



PRODROMOS


Quarta-feira, 20 de abril de 2016. 40s+1. Eu já vinha sentindo ensaios vigorosos nas últimas semanas. Contrações de BH poderosas deixavam um gostinho de quero mais, de chega logo. Mas nesse dia algo amanheceu diferente. Eu já estava a 9 dias de licença maternidade, mas foi o primeiro dia em que eu consegui ficar sozinha em casa relaxando.
No dia anterior, dediquei meu tempo para a Maria Julia. Ela não foi para a escola, brincamos, pintamos, e em mais de uma oportunidade senti que se tratava de nossa despedida enquanto mãe e filha únicas. Chorei muito. Cantei, chorei, cantei mais um pouco. Orei. Pedi pelo meu milagre com muita vontade. No Face, um vídeo do louvor “Ressuscita-me” da Aline Barros “pulou” na minha TL e me tocou profundamente. Foi escrita para esse momento da minha vida, certeza!

Nessa manhã de quarta-feira, as habituais contrações também mudaram de característica, agora a dor, que antes se concentrava na barriga, passou a irradiar de maneira intensa na região lombar. Elas vinham a cada meia hora, durando cerca de 40/50 segundos, mas eu sabia que eram um bom sinal, sabia que eram ondas características de um trabalho de parto que poderia engrenar a qualquer momento. Decidi não cronometrar e seguir vida normal, me deliciando com a sensação de que meu corpo estava trabalhando.

Ainda pela manhã terminei de assistir The Red Tent, série (baseada no livro de Anita Diamant) que me foi recomendada por uma amiga, como sugestão de que toda mulher grávida deveria assistir. Nela, mulheres compartilham rituais e suas vivências numa tenda vermelha, transmitindo um legado de amor e cumplicidade, que as acompanha durante toda sua vida. Nem preciso dizer que chorei horrores. Tocou-me profundamente. Relembrei do meu chá de bênçãos surpresa, minha caixa de bênçãos, os mimos e mensagens de apoio e incentivo que recebi. Peguei a primeira roupinha da Valentina, cheirei, apertei, chorei. Pedi que ela viesse, queria senti-la, tocá-la, amá-la.

No fim da tarde fiz um ultrassom. Tanto o GO quanto minha EO, Lia, recomendaram que eu realizasse tendo em vista a perspectiva de um bebê grande. Com 37s, Valentina estimava 3500g. Eu não queria fazer, porque sim, eu temia um bebê grande demais. Não pela via de parto, porque eu acredito na força da natureza, mas pela possibilidade de um bebê muito grande inviabilizar um parto domiciliar após cesárea. Não que exista um limite formalmente estabelecido, mas o tema me trazia certa apreensão, mesmo conhecendo casos de outros VBACs de bebês macro. No US a grata surpresa, estimativa de 3900g, informação que me relaxou e me deixou confiante de que nossos planos seriam mantidos. Antes de contar as boas novas a parteira, resolvi monitorar algumas contrações. Vinham a cada 20 minutos, doloridas, mas suportáveis.

À noite fiz minha habitual caminhada pelas ruas do bairro. Brinquei de pular meio fio, já que não tinha uma escadaria para me estimular. Passou o carro do churros e eu senti vontade. "nasce bebê, para eu poder comer um docinho logo". Jantei, banhei e intencionava dormir cedo, já que precisaria dessas horas de sono, caso o TP engrenasse. Por volta das 23h30 troquei a última mensagem com a Lia, contei que minha lombar já não parava de doer, uma contração a cada 10 minutos.  Ela animada, pediu para eu avisar quanto estivesse 1 a cada 5 minutos.

“Você está tranquila?” perguntou ela.

“Sim, muito!”



E na promessa de mais notícias adormeci relaxada e feliz.

Lia (EO) e Maju: Pré Natal em casa, um conforto!
20.04.2016. Nossa manhã última manhã de mãe e filha únicas. Chamando a irmãzinha.